Racismo saúde e bem estar: o autocuidado como luta antirracista

O que tem no Brasil
4 min readSep 29, 2023

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O Setembro Amarelo é muito significativo na elucidação sobre a importância da saúde mental na vida das pessoas, e nesse final do mês, gostaria de trazer a atenção não somente para a saúde mental, mas sim para a saúde pessoal como um todo (saúde integral) e o bem estar global. Segundo a OMS, saúde é o bem estar físico, mental e social, não somente a ausência de doença, isto é, considerando relações históricas, econômicas, políticas, sociais, assim como aspectos de suas subjetividades. Deste modo, quero trazer a relevância do autocuidado na manutenção da saúde, especialmente de pessoas pretas, elucidando como o racismo que nos cerca é fator determinante de adoecimento mental e integral.

Da vida intrauterina, quando mães pretas sofrem racismo obstétrico (o que coloca em risco seus filhos), a morte: O racismo impõe barreiras brutais que acompanham a vida de pessoas pretas e pardas ao longo de todas as suas vidas.

Com a abolição inacabada¹ da escravatura e o mito da democracia racial sendo cada vez mais aceito, o racismo e suas influências institucionais passou a ser cada vez mais velado. A manutenção da branquitude como ideal de sujeito, a negligência em assistências básicas, os abusos, a lógica de que o negro não sente dor, não adoece, não tem sensibilidade, o estado de alerta constante em ser alvo de ameaças são micro agressões que representam a soma de um grande número de eventos menores que afetam a saúde mental e física, desgastando indivíduos e os tornando predispostos a problemas de saúde.

A violência que antes agia como os chicotes açoitados nos nossos antepassados, de alguma forma se mantém de maneira latente (e manifesta), ferindo nossa subjetividade e nos afetando de forma social, psíquica, física e espiritual. Logo, os efeitos do racismo na saúde nos afetam como corpos pretos e precisam ser levados em consideração quando pensamos em nosso bem estar global.

De acordo com estudos de Kelaher, Paul, Lambert, Ahmad & Smith (2008), a exposição à discriminação racial tem como consequência níveis mais altos de ansiedade, preocupação ou depressão, executando um importante papel na saúde mental e na saúde como um todo (apud RAMOS-OLIVEIRA; MAGNAVITA; OLIVEIRA, 2017).

Williams & Priest (2015) expõem sobre alguns pesquisadores que apresentam o status socioeconômico e o racismo como determinantes básicos da saúde. Ademais, salienta que:

O racismo não é o único determinante dos mecanismos intervenientes ², mas sua presença como causa fundamental em uma sociedade pode modificar e transformar outros fatores causais e pode exacerbar os impactos negativos de outros fatores de risco para a saúde. (WILLIAMS; PRIEST, 2015, p.141)

Ademais, Lages et al. (2014) ressaltam que

as doenças físicas afetam o corpo do sujeito, porém os preconceitos, o desmerecimento das identidades culturais, afetam as subjetividades, e esse afetamento pode alcançar o sujeito psíquico provocando depressão, desmotivação e baixa autoestima (LAGES et al., 2014 apud RAMOS-OLIVEIRA; MAGNAVITA; OLIVEIRA, 2017, p. 53).

Ou seja, o racismo e seus efeitos afetam diariamente e constantemente as vidas de pessoas negras. Assim, pensar no autocuidado torna-se um ato político, de enfrentamento direto ao racismo sistêmico que persiste em ditar como devemos nascer, ser e morrer. Com relação à saúde psíquica e emocional, conhecer e reconhecer nossa história, com suas fragilidades e suas forças, pode nos ajudar a criar recursos internos fortificantes e nomear emoções e sentimentos e nossos valores. O cuidado físico diz respeito a construir um corpo potente, forte o suficiente para ficar de pé diante de adversidades e iniquidades. Cuidar do nosso espírito é reconhecer quem somos em Cristo e que Ele está conosco a cada momento e nos dá forças inabaláveis! Cuidar das nossas relações, do nosso social é criar laços que nos fortalecem, é cooperar com o corpo coletivo e bem estar dos vulneráveis.

Sendo assim, cuidar de si, de forma integral, é um ato de resistência e re-existência! Não podemos deixar de olhar para nós mesmos, reconhecermos nossas vulnerabilidades e forças e marcamos nossas expectativas de vida para além do que o racismo nos impõe. Cuide-se!

Texto por Psi. Sara Cristina (Instagram: @psi.saracristina)

NOTAS

¹ O termo “abolição inacabada” vem sendo utilizado por muitos integrantes do Movimento Negro e pessoas da sociedade civil que lutam pelo fim das opressões vividas pela população negra. (COSTA; AZEVEDO, 2016).

² Mecanismos intervenientes, aqui, é entendido como sendo caminhos proximais pelas quais o racismo é estabelecido, como: Transmissão cultural — estigma, preconceito, estereótipos, Stress crônico, Discriminação racial, trauma histórico, adversidades advindas da condição socioeconômica—; oportunidades — educacionais, de emprego, financeira—; recursos sociais — atenção médica, religião, laços sociais — e Conhecimento (WILLIAMS, 1997; WILLIAMS; MOHAMMED, 2013 apud WILLIAMS; PRIEST, 2015).

SOBRE A AUTORA

Sara Cristina é uma psicóloga clínica, pós graduanda em neuropsicologia. Hoje, nossa convidada para falar sobre a campanha do Setembro Amarelo.

REFERÊNCIAS

RAMOS-OLIVEIRA, D.; MAGNAVITA, P.; OLIVEIRA, F. Aspectos sociocognitivos como eventos estressantes na saúde mental em grupos étnicos e minoritários no Brasil. UMMA PSICOLÓGICA UST, 2017, Vol. 14, Nº1, 43–55 ISSN: 0718–0446 /ISSN:0719–448x. Disponível em <https://summapsicologica.cl/index.php/summa/article/view/315>

WILLIAMS, D.R.; PRIEST, Naomi. Racismo e Saúde: um corpus crescente de evidência internacional. DOSSIÊ • Sociologias 17 (40) • p. 124–174 • Sep-Dec 2015. Disponível em <https://www.scielo.br/j/soc/a/TdR6VjTkrwxhqWcHf9VM9Fp/?lang=pt#> Acesso em 20 jun 2021.

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