O enfretamento da solidão

O que tem no Brasil
3 min readJul 23, 2024

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Acredito que não seja novidade que quando se fala da luta da mulher, a necessidade por reafirmação de direito, lugar e espaço é indiscutível. Porém quando falamos sobre a mulher racializada há um recorte de raça que agrava a suas questões, e quando falamos de mulher latina há contextualizações regionais que compõem as suas dores. Nesta semana, especificamente no dia 25 de julho, se traz à memória as vivências da Mulher negra Latino-americana e caribenha, justamente para que essas questões venham à tona e suas lutas possam ser devidamente reconhecidas.

Hoje quero trazer para reflexão uma “dororidade” — pegando o termo emprestado de Vilma Piedade — que assola a realidade das mulheres mencionadas nessa data. Quero falar sobre a solidão.

Quando se é uma mulher racializada é muito comum que sua imagem seja moldada por aquilo que se pode oferecer para o mundo. É natural que sejamos vistas como fortes, que saibamos acolher, resolver os problemas que aparecem à nossa volta, que façamos múltiplas atividades, entre outros. Podemos passar a vida tendo pouco espaço para respirar, chorar e lamentar. Assim como também pode nos faltar o amor, compaixão, acalento e a possibilidade de autoestima.

Quando se é mulher negra há uma dor em comum que nos une: o racismo. Esse fenômeno nos nega uma vivência saudável desde que damos o primeiro suspiro, e todos os dias de nossas vidas passam ser sobre enfrentar tais fatores que nos serão negados. Ter nossas necessidades e sonhos reconhecidos é uma constante batalha.

Recentemente vimos dois casos famosos de mulheres negras reconhecidas na mídia que passaram por diferentes dores, mas bem comuns na história de mulheres negras periféricas. Uma delas foi exposta a violência sexu@l no casamento e outra a uma traição enquanto ainda gesta. Em um ato de solidariedade (e talvez até de dororidade) diversas outras mulheres da mídia e fora dela demonstraram seu apoio e pesar com as situações, fazendo-as até contar um pouco sobre as suas próprias vivências.

São histórias que ilustram uma construção social que nega amor, autoestima e valor para nós. De como lutamos todos os dias para sermos reconhecidas e de como tudo isso pode ser retirado, diminuído ou trocado quando em contato com uma relação, lugar ou episódio que suga toda a energia que batalhamos diariamente para reconstruir (visto que já nascemos tendo que reafirmar nosso lugar de direito no mundo).

Uma história bíblica que me rememora essa situação é a de Hagar (Gênesis 21:8–21), que enquanto mulher escravizada teve sua vida e filho negados quando o filho que realmente era aguardado pelos seus senhores estava por chegar. Se viu abandonada, sem condições de oferecer o melhor ao seu pequeno e sem qualquer amparo emocional para si. Num ato de desespero chama por Deus para que a tire da circunstância de angústia que a maldade dos seus senhores a havia colocado.

Expulsão de Hagar e Ishmael (Genesis 21, 14). Fonte: www.istockphoto.com/br

Facilmente a solidão pode se tornar um sentimento predominante frente a situações como essas. Mesmo que um mar de mulheres passem todos os dias por algo similar, a ausência de humanização dessas dores provocadas por eventos trágicos na vida das mulheres negras pode tornar tudo mais difícil, gerando cicatrizes e muitas vezes sobrando somente a súplica proferida por Hagar para suportar o peso das ausências que perduram em suas existências.

Texto por: Larissa Florêncio, integrante do setor de artes do coletivo.

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